A Magia da Mídia Física
Quem me conhece sabe que eu tenho um fascínio por design de produto e marketing. Como projetar um produto, seja uma caixa, um copo, uma roupa, um serviço, e a maneira que você vende esse produto, são coisas que há muito tempo habitam minha mente e é um dos motivos que eu gosto de ir pra shopping.
Também é um dos motivos que me deixam mentalmente exausto toda vez que eu saio de casa e me deixa ligeiramente deprimido, mas eu divago.
E eu acho que poucas coisas ultimamente tem me fascinado tanto quanto a forma que se vendiam fitas e DVDs antigamente.
Nos meus vídeos (ó meu canal aqui!) eu costumo catar propagandas antigas, seja de produtos, chamadas de programas, ou algo relacionado a VHS e DVD. É provavelmente a parte mais divertida do processo pra mim, porque eu posso passar uma tarde inteira procurando uma propaganda perfeita pra botar no vídeo, e vou conhecendo trocentas outras coisas de antigamente.
Também é uma das coisas que pode atrasar um vídeo, mas não é como se ninguém ligasse.
Anyway, uma coisa me chamou atenção em uma das últimas vezes que eu vi a abertura de uma fita VHS Abril Video.
Mas antes, vamos fazer um exercício criativo.
Assistam essa propaganda do Disney+ e tentem ignorar que a Disney anda tão falida criativa e moralmente que eles botaram o remake de Rei Leão como se fosse grande coisa ao lado de Tron Legacy.
Só de citar esses dois filmes numa mesma frase me deu náusea, vamos logo com isso.
Eu não sei vocês, mas pra mim essa propaganda soa totalmente sem sal. É uma cornucópia de personagens variados de diversas épocas, com diferentes tecnologias e propósitos, num só lugar.
Ao mesmo tempo, é uma edição seca demais, e embora a gimmick das falas dos próprios filmes substituírem o narrador, tudo soa… forçado demais. É um estilo que foi desenvolvido mais nos anos 2000, e que ainda funciona relativamente bem, mas que mais vezes que não, soa bisonho.
Agora, pegar uma propaganda americana, da mesma duração que esse ad do Disney+, mas com menos filmes em sua linha.
Não tem narração, é só uma colagem de trechos dos filmes com os títulos, sincronizados com a música num mickeymousing simples, mas eficaz.
É um trailer muito mais coeso e convidativo que o do Disney+, apresentando filmes absurdamente diferentes em tom e estilo (Old Yeller é ANOS-LUZ de distância de qualquer um desses outros filmes citados, por exemplo; e em lugar nenhum Se Meu Fusca Falasse tem algo em comum com 20 Mil Léguas Submarinas), mas a trilha sonora e a forma que eles foram editados no comercial fazem parecer que eles meio que conversam entre si.
Eu entendo totalmente as limitações de fazer um ad de 1:50 com propriedades de pelo menos 7 subsidiárias diferentes, é diferente de pegar um punhado de filme e fazer um comercial com a mesma duração. Mas eu quero atentar mais pra estética do negócio.
Eu vou soar como um velho ranzinza que devia ganhar a vida num balcão de teatro apoquentando os comediantes de stand-up gordos e peludos, mas essas propagandas antigas soam muito mais interessantes que as atuais.
É algo que dá pra notar não só em propagandas, mas até em embalagens de alguns produtos. Compara as caixas de um videogame das gerações mais recentes com as dos anos 80 e 90. Existia uma preocupação maior com a estética, com a pose (pose?) do console, algo mais chamativo na caixa, com imagens de alguns jogos.
Era algo mais simples, mas elegante como a caixa do Nintendo 64, ou misterioso e ousado como a do Dreamcast, que dizia ser o “ultimate game system”.
Hoje as caixas de console parecem caixas de eletrodomésticos, “TÁQUI O PRODUTO, TOMA”. Isso porque eletrodoméstico ainda tem uma preocupação em mostrar o negócio funcionando.
Voltando às mídias, era interessante como as próprias fitas eram vendidas como uma EXPERIÊNCIA.
Olha esse esforço, olha esse conceito de que a fita é um mini-cinema que você LEVA PRA CASA.
E É SUA PARA SEMPRE! NÃO PRECISA DEVOLVER!
É algo análogo ao que o SBT fazia com a abertura do Cinema em Casa e a HBO com a Feature Presentation.
Mas mais interessante que isso, fitas e DVDs costumavam custar caro. Isso até ter uma mudança de tecnologias, claro. Quando os DVDs começaram a tomar de conta, a Abril começou a vender livro de colorir+VHS pra se livrar do estoque. Raios, eu lembro de ter um VHS de Lilo e Stitch que veio de brinde numa revista Recreio!!
Hoje observamos o mesmo fenômeno nas Lojas Americanas, se desfazendo do estoque de DVDs, às vezes com filmes que não compensam o baixíssimo valor (visto aqui e aqui)
Então, as propagandas de fitas e discos precisavam te vender algo a mais, uma experiência, um senso de posse, ou até uma estética de classe, como uma trilha de jazz.
E claro, a estética early CGI pra que tudo soasse muito mais avançado do que realmente era. Algo que também se perdeu com o avanço tecnológico e a necessidade de que toda CG seja fotorrealista, tirando todo e qualquer senso estético das imagens.
E hoje a forma de venderem a experiência de ver filmes não é mais uma atividade em família, ou algo que mereça atenção, é simplesmente “TOMAQUI, FILME!” e eles sabem que tu vai ficar vendo o celular durante o filme, algo que eu tenho certeza que viola algum artigo do Código Penal.
Se não viola, deveria.
Pera, eu mencionei o HBO Feature Presentation. Raios, ok esse é um excelente exemplo de como a estética mudou de acordo com a época.
Eu gosto MUITO dessa, mas porque eu sou fissurado em miniaturas e efeitos práticos.
Sim, a logo da HBO é feita numa trucagem prática e de edição, é fantástico. Aqui um documentário da época mostrando como foi feito, vale a pena ver.
Anyway, eu amo como essa vinheta começa baixa, singela, mas ao mesmo tempo chamativa. E vai crescendo, e crescendo mais, e quando cê acha que não tem como crescer mais, ela continua crescendo, praticamente o oposto da minha carteira de cripto.
É sensacional.
O conceito foi reaproveitado ao longo dos anos, adaptando-se às tecnologias e gostos do público.
A versão de 99 enfatiza uma ação rápida que te hipnotiza, é um sentimento familiar mas que é raro de encontrar em filmes e séries. Provavelmente porque causaria vertigem em alguns e não consigo imaginar tantas oportunidades narrativas pra usar esse efeito.
Não, eu não vi o live action de Speed Racer.
E tem essa versão de 2017 que também é do balaco baco, mas já tem menos fanfarra e menos duração.
O público parece que ficou mais impaciente pra esperar a vinheta, eu tiro pelo meu pai que se o filme durar mais de 30 segundos nos créditos ele já desiste de ver.
Hoje os streamings já tem um botão pronto de pular abertura e recap, que é útil em maratonas, mas tira um pouco da graça, especialmente se for algo tipo Muppet Show, que tem uma alteração na abertura em cada episódio.
Mas os brasileiros não sabem disso porque 1) brasileiro só vê coisa nova ou da moda; e 2) o Disney+ AINDA não botou Muppet Show no catálogo.
Mas mais do que isso, parece que se perdeu toda a vontade do público de acompanhar uma experiência audiovisual. Eu sei, isso soa pedante demais, mas é mais um sintoma de algo maior e pior, onde nos tornamos uma sociedade imediatista, que não tem paciência pra fazer as coisas, de esperar, de construir, de acompanhar.
Isso causa a criação de conteúdos mais fracos, esquecíveis, e descartáveis. Assiste qualquer original Disney+ de 2 anos pra cá que cê vai entender. A maioria de conteúdo original que as próprias plataformas criam tem essa mesma essência de serem tão relevantes quanto um vídeo de TikTok, que você olha aquilo acontecer e logo esquece o que aconteceu.
Não dá pra fingir que mesmo nos anos 80 e 90 esse problema existia, mas hoje parece algo muito mais notável.
Dá pra aprender muito sobre uma sociedade analisando as propagandas e seus produtos. É um exercício bacana de se fazer.