Era Uma Vez Uma Crise: A Disney Sob o Comando de Iger
A saída de Peltz, os comentários de Musker, e os apelos pelo retorno às raizes
Esse subtítulo parece um livro das Crônicas de Nárnia, sim.
Pra qualquer um com um mínimo de bom senso e que tem acompanhado as notícias do mundo do entretenimento, percebe que Iger tem tomado as piores decisões possíveis, e que a teimosia e ego que ele mostrou ao retornar ao posto de CEO depois de ter escolhido Bob Chapek continua tão inflada quanto um balão cheio de farinha no Passa ou Repassa.
Mas, vamos por partes.
Ato 1 - John Musker diz, “Arrependei-vos enquanto é tempo”.
John Musker, metade do tag team com Ron Clements, deu uma entrevista onde ele critica o panfletismo político atual da Disney. Sim, é o óbvio ululante que pulula nas mentes humanas, mas vindo de alguém com o peso de um dos diretores que ajudou a Disney a sair de um de seus piores momentos, era de se esperar que seus conselhos fossem considerados.
Os filmes clássicos da Disney não começaram tentando ter uma mensagem. Eles queriam que você se envolvesse com os personagens, a história e o mundo, e eu acho que isso ainda é a essência disso. Você não precisa excluir agendas, mas primeiro precisa criar personagens com os quais você simpatiza e que são cativantes. Eu acho que eles precisam fazer uma pequena correção de curso em termos de colocar a mensagem em segundo plano, atrás do entretenimento, da história envolvente e dos personagens interessantes.
O problema que Musker falha em ver, é que toda a mensagem (ou “the message”, como é dito perjorativamente) é completamente contrária àquilo que o maior público-alvo da Disney procura:
Claro que existem os Disney Adults, mas mesmo eles em grande maioria buscam ser entretidos em primeiro lugar, e quando você tem alguém marretando na sua cara uma mensagem ideológica, fica difícil esquecer um pouco dos problemas do mundo, ao invés de primeiro se conectar aos personagens e só então aprender algo que pode ser útil no mundo real.
Assim como costumava ser desde que… sei lá, o chão é chão.
Como disse Brett Cooper uma vez, a Disney é praticamente uma instituição. Costumava ser uma marca segura em que pais podiam confiar a seus filhos, e assistir junto deles. As crianças gostavam dos personagens engraçados e personagens se movendo, e os adultos conseguiam apreciar o trabalho artístico bem-feito que não se encontrava em outras animações concorrentes de estúdios que não vêem o potencial real da mídia e produzem filmes imbecilizados.
Sempre lembrando que Walt não tentava fazer “cartoons”, tentava fazer arte. Colocar Bambi no mesmo balaio que Minions é como rebaixar a Mona Lisa ao mesmo nível do maluco que joga um garfo melado de tinta na parede.
Musker também comenta sobre o excesso de corporativismo durante as produções:
Moana foi um projeto muito difícil. Era a nossa idéia, mas com a Pixar e John Lasseter, a nossa história foi passando de mão em mão. Nos anos 90, tínhamos Jeffrey [Katzemberg]. Ele era um imperador, sabe. Mas não havia 10 Jeffreys. Agora, você tem muitas pessoas para satisfazer, antes não tínhamos 15 diretores dizendo como fazer o filme. Mas de certa forma, eles estavam certos, foi uma coisa boa.
Isso é um ponto bem curioso.
Claro, Jeffrey Katzembug era um sujeito esquisito e que, a princípio, entendia tanto sobre a produção de uma animação quanto o Tião Macalé entendia de folclore japonês. É o cara que insistiu em editar e ver os b-rolls de O Caldeirão Mágico e que Pequena Sereia fosse mais parecido com Duro de Matar.
E é por isso que Úrsula é grande como o Nakatomi Plaza. Palavras de Musker.
Não sei exatamente se a menção à Pixar é em relação à troca de tecnologias ou outro tipo de interferência política do estúdio, já que Lasseter era o presidente da Pixar e da Disney Animation na época. Mas agora que a Casa do Rato tem um prestígio maior, e é literalmente grande demais pra fracassar, eles estão muito confortáveis. De novo.
Mas dessa vez, não pretendem perder mercado por algo trivial como… sei lá, fazer a pele dos vilões ser escura demais, mesmo que todo mundo na história tenha pele escura por motivos geográficos.
Parece bobo, mas foi exatamente isso que aconteceu em Aladdin. Não, seu biltre, não o de 2019, o de 1992! Seu verme repulsivo que não assiste nada que seja mais velho do que sua data de nascimento! Tomara um cavalo dê uma patada nas suas gônadas pra que sua linhagem seja interrompida!
…caham.
A mesma coisa aconteceu com Detona Ralph 2: Electric Boogaloo, quando reclamaram que a pele da Tiana tava clara demais, o que me faz pensar que esse pessoal tenha passado por algum acidente nos olhos que tenha prejudicado a vista, porque nos trailers, a princesa de Nova Orleans tinha a pele tão escura quanto em seu filme de origem e em artes promocionais.
Ou talvez eles não saibam como iluminação funciona. Em qualquer situação, eu me surpreenderia se os reclamões soubessem ler.
Diante de tudo isso, a Disney precisa de um batalhão de advogados (e agora também dos consultores de DEI, que nas horas vagas celebram sacrifícios humanos a Moloch), e cada equipe revisa cada mísero pixel, ativamente procurando cabelo em ovo e o que poderia em alguma situação talvez ser um problema. O que, naturalmente, atrapalha MUITO o processo criativo.
Era de se esperar que, pelo menos, Iger desse uma freada pra não irritar os acionistas.
Ato 2 - Iger não freia e irrita os acionistas
Jason Peltz viu que a Disney estava se distanciando demais dos seus propósitos originais, e assim, alienando sua maior base de consumidores. Mesmo que Iger tenha dito que “o propósito principal é entreter”, não é isso o que aparenta ser na prática.
Basta ver os comentários da diretora e estrela de The Acolyte (more like THE ALCOHOLIC, AM I RIGHT, BOYS?)
Eu costumo lembrar de um tempo em que a gente não tinha trocentas séries de Star Wars, tentando pegar todo tipo de público diferenciado ao invés de atrair o público original. Se tratando do Universo Expandido, Star Wars sempre foi mais quieto, nunca precisava ser uma megacoisa extraordinária, e com isso havia menos risco financeiro e mais liberdade criativa, e vinda de gente que realmente se importava com a franquia, seu mundo, e o que se esperava de algo com a marca. Ou que pelo menos, sabia no que tava se metendo e tentava fazer um bom trabalho.
Em 2009, haviam rumores de que uma série de Star Wars estava saindo do chão (após ser anunciada em 2005) e focaria em personagens e núcleos menores, mais longe das batalhas políticas e mais próximo do cidadão comum, do caçador de recompensa sem pátria, etc. Era estranho pensar que isso existiria, e as possibilidades eram infinitas, tanto de dar certo, quanto de dar errado.
Hoje, quando a Disney anuncia mais uma série de Star Wars, pode-se ouvir o som de milhares de olhos revirando ao mesmo tempo.
Não é que nós queremos que seja um produto ruim, mas já esperamos que seja, dado o histórico recente e as cada vez mais públicas políticas internas do estúdio.
Eu tenho muita curiosidade em ver Disney War 2: Electric Boogaloo pra saber como Bob Iger reagiu aos comentários da Leslye Headland.
Sim, eu fiz duas piadas de Electric Boogaloo no mesmo artigo, não me encha o saco.
Ato 3 - Peltz pula do barco
Nelson Peltz tentou reverter o rumo da Disney, ao iniciar uma campanha entre os acionistas pra remover Iger, se colocando no lugar dele junto de Jay Rasulo, ex-CFO da Casa do Rato.
Apesar de ter tido muito apoio de diversas entidades (incluindo Elon Musk e o fundo de pensão da Califórina), a batalha foi um fracasso, e Peltz vendeu todas suas ações da companhia, o que fez que seu preço caísse 2%.
Roy E. Disney, ele não é. Faz falta um SaveDisney uma hora dessas, mas a família aparentemente não quer mais nada com a companhia (o que, por um lado, é bom, talvez a destruição viesse mais rápido).
Talvez soe como uma vitória pra Iger e seu ego do tamanho do estado de Minas Gerais. Mas até George Lucas (que é um dos acionistas da Disney e tem poder de voto, vale lembrar), que o apoiou durante o embate com Peltz, agora apareceu criticando as escolhas criativas de Star Wars.
Isso é só um resumo, mas ele falou bem mais e cê pode ver na íntegra aqui.
E sim, tá em inglês, você deveria saber. Se não sabe, aprenda.
Eu reitero o que eu levei um podcast inteiro pra dizer: a Disney está falindo e isso pode ser uma coisa boa. Isso pode ser usado pra dar uma chacoalhada e fazer os wokes acordarem pra vida.
Nos anos 80, a mentalidade de “o que Walt faria?” estava atrasando uma Disney ainda enlutada e perdida, e avançar pra novas tecnologias, buscando novas inspirações (especialmente no teatro musical com Howard Ashman), foi a resposta. Agora, talvez a Disney precise novamente se perguntar, “o que Walt Faria?”