Mickey Mouse fez 95 anos semana passada e eu literalmente esqueci de fazer alguma coisa quanto a isso, mas porque né, fim de ano, tem as parada do Natal pra ver. Eu tava ocupado vendo The Little Drummer Boy e sua sequência e tentando não beber Coca-Cola com Qboa (também chamado de Cloro-Cola), porque pelo amor de Oz… Mas tudo a seu tempo.
Hoje eu quero fazer uma defesa do camundongo. Ame ou odeie, há de se respeitar o que Mickey Mouse representa, mas a menos que você tenha lido uma boa biografia do velho Zé Valter, cê não vai entender a dimensão que o Rato significa. Porém, não quero tocar nisso hoje, mas sim no aspecto que o personagem ganhou ao longo dos anos.
Sim, todos nós (velhos de idade ou de alma que cresceram lendo os quadrinhos de Floyd Gottfredson e Paul Murry, gostamos do Mickey detetive e heróico. Mas, pra mim, Mickey também sempre teve essa qualidade de everyman, de ser o cara comum que se vê em situações de vida ou morte, prendendo bandidos e desvendando mistérios. Carl Barks fez um excelente equilíbrio entre os dois Mickeys em sua única história com o rato, O Caso do Chapéu Vermelho.
A diferença do Mickey pro Pato Donald é que Donald tem suas falhas mais evidentes e mais destrutivas, o que é um excelente contrapeso pro Mickey e Pateta. Mas dependendo de quem escreva, Donald também pode ser tão inteligente ou corajoso quanto Mickey, embora em situações bem específicas (como quando seus sobrinhos estão em perigo, na história Em Busca de Kalevala), o que é bom, é característica de um personagem completo e complexo.
Mas eu nunca entendi quando ouvia que “gosto mais do Donald, porque o Mickey não existe”.
Eu poderia fazer uma piada aqui sobre como ambos são animais antropomórficos falantes, mas seria chover na mesma tecla. Mas o que é curioso é esse conceito generalizado de que Mickey não poderia representar o cara comum, que tem que trabalhar, pagar contas, é infernizado pelas travessuras dos sobrinhos, e esquece datas importantes pra namorada.
O que são coisas que acontecem constantemente.
É um Mickey mais pertinente aos quadrinhos, admito, mas há animações onde ele é exatamente esse sujeito falho de maneira cômica, tal qual Dick van Dyke no Dick van Dyke Show, onde ele interpreta Robert, que por acaso se comporta tal qual imaginamos que Dick van Dyke se comportaria.
Eu nunca entendi o conceito de “The [Nome de Celebridade] Show” que não é sobre a celebridade, mas divago.
Ao final do artigo tem uma lista de direções pra essas histórias do Mickey como um cara comum, caso você se interesse.
Esse Mickey falho era mais comum em Mickey Mouse Works, mas como eu não quero admitir que estou velho e que o que eu via quando moleque já pode ser considerado vintage, vamos pros anos 40 com o curta Mickey’s Delayed Date, que por um milagre está disponível no Disney+.
Vocês ficariam surpresos com a quantidade de coisa que não tem na plataforma do Rato. É meio baldeado mesmo, tinha filme sequel sem ter o original (ainda tem as sequels e remakes de Shaggy D.A., mas não o original), e tiraram Once Upon a Mattress, um filme genuinamente bom que inclusive, era sobre uma princesa, o que deve dizer muito.
Anyway. Esse Mickey também era presente nos curtas, às vezes como um everyman forçado a ser detetive/aventureiro, ou como um empreendedor em ramos específicos (The Lonely Ghosts), e às vezes ele era só o amigo da turma (Mickey’s Trailer). E no caso de hoje, o namorado esquecido.
O curta começa com Minnie louca da vida telefonando pro Mickey com uma força suficiente pra quebrar o disco do telefone. Provando que é de fato o melhor amigo do homem, Pluto atende o telefone e entrega pro Mickey, que dorme o sono dos justos.
Eu daria uma folga pra ele, entre prender vilões como Bafo e Mancha Negra, caçar fantasmas, e fazer meet and greets dirariamente, o maluco merece um descanso.
Mas Minnie não se importa com a agenda do segundo rato mais cabeçudo do mundo, e declara que caso ele não se apronte e veja ela imediatamente, está tudo acabado entre eles.
Pode-se pensar que é mau-caratismo da Minnie, mas geralmente quem faz esse tipo de ultimato numa base diária é a Margarida, então ok.
Mickey então se apressa a se arrumar com vários shenanigans que incluem Pluto brigando com a cartola, porque este é um desenho animado e coisas tem vida própria, mas só quando é engraçado.
Eu pessoalmente não costumo gostar dos shenanigans do Pluto, acho um pacing muito lento pro meu gosto, mas é uma gag ok.
Em uma raríssima ocasião onde Mickey aparece sem roupas, sem botas, e até (gasp) sem luvas, ele tropeça e cai na cama portátil, onde já sai vestido feito um gentleman, algo que parece muito uma piada de um dos filmes do Jerry Lewis.
E mais shenanigans acontecem no percurso, como quase ser atropelado por carros (usando animações reaproveitadas de outro curta) e acabar sendo enrolado em uma lata de lixo, rolando rua abaixo, porque o Pluto esbarrou na lata ao tentar entregar os ingressos que o Rato esqueceu.
Ele aparece completamente maltrapilho, esfarrapado, frangalhão, e absolutamente grogue devido ao rolamento. Mesmo parecendo uma mistura de Seu Madruga com o Golpe Baixo, Mickey cambaleia até a entrada do baile, convenientemente ao final da rua em que rolou.
E Minnie adora a roupa dele!
Porque é o tema do baile!
Pois é! É um baile temático da Grande Depressão de 29! O que é engraçado, porque soa como classe alta fazendo roleplay de pobres, algo que se tornou muito comum recentemente com os jovens alternativos “ain litrão e boteco e boletos”.
Eu gosto bastante desse curta, é bem divertido e o plot twist me pegou de surpresa quando eu vi pela primeira vez quando moleque. E é um twist bem montado, já que, quando vemos Minnie, nada dá a entender que este seja o tema do baile, e ela se veste até finamente, eu diria.
Segundo o IMDB, nesse curta Mickey foi dublado por James MacDonald, que assumiu o personagem no ano de lançamento desse curta. Porém, dado o tempo de produção (e segundo a Disney Wiki), esse foi o último curta onde Walt fez a voz do camundongo, algo que só aconteceria novamente em ocasiões raras, como o Mickey Mouse Club.
E eu não tenho mais nada a comentar. Eu só acho que é um curta legal, como batatas. E que mostra Mickey como um cara comum, que sempre é legal pra balancear a persona de mascote. Seria algo mais recorrente em Mickey Mouse Works, algo que deveria ter no Disney+, mas vivemos na pior timeline.
Sério, essa série é uma pérola. Isso e o House of Mouse. Em que outra série você vai ver referências e paródias à produções clássicas Disney com o mesmo senso de humor do Muppet Show?
Caso você se interesse, você pode procurar por histórias dinamarquesas, que constantemente mostram um Mickey meio desligado, viciado em videogames (o que é irônico que nessa história ele brigue com os sobrinhos pelo mesmo problema) mas ao mesmo tempo com espírito aventureiro e com uma forte bússola moral.
O casal McGreal fez uma pá de história nesse sentido, que são genuinamente divertidas.
A série High School Minnie também faz algo assim, mostrando o Mickey como um adolescente comum com interesse em radioamadorismo (infelizmente a maioria das histórias nunca chegou ao Brasil, mas caso você leia grego moderno, está com sorte). E especificamente, a história Faça Você Mesmo mostra um Mickey incompetente a ponto de não conseguir seguir ordens simples de montar móveis da Minnie (mas não por demérito dele, como mostra o plot twist). Ou com dificuldade de ver o jogo de futebol na TV.
Tem uma história que eu mencionei no Donald’s Dilemma sobre Mickey fugir de um jantar da alta sociedade pra jogar videogame no porão, mas ainda não achei. Eu sei que eu tenho em algum lugar da minha coleção, mas não vou atrás agora.