Ben and Me (Walt Disney - 1953)
É tipo Hamilton, só que com um rato no lugar do rap
Revisionismo histórico sempre é uma questão delicada.
Por um lado, aparecem novas evidências de fatos que aconteceram que podem mudar nossa compreensão de como as coisas aconteceram até chegarem ao ponto em que estamos atualmente. De outro, há uma gana de querer reescrever a História pra apoiar uma pauta política do presente, e assim angariar seguidores para sua própria causa, ignorando a qualidade ou mesmo veracidade de suas evidências.
Mas também existem as interpretações artísticas, que por tentarem ser antes entretenimento do que uma aula de História do Ensino Médio, distorcem e recontam alguns fatos pra que a narrativa flua melhor. Com o acréscimo que você provavelmente vai aprender mais História vendo Davy Crockett da Disney do que numa sala de aula fedendo a mijo e maconha ministrada por um professor de ressaca impondo uma arrogância de quem comprou a verdade.
Tendo dito isso, Ben and Me é uma narrativa Histórica melhor e mais fiel à realidade do que o filme do Mariguella.
Com uma trama que faria Benjamin Gates chorar de desespero e Lin Manuel-Miranda sorrir até suas pupilas se tornarem em cifrões, Ben and Me é baseado em um livro que narra a história de Amos, o ratinho que ajudou Benjamin Franklin a fazer tudo que ele fez.
O que? Você realmente acha que Franklin, além de escritor, poeta, filósofo, político, defensor dos mullets e maçom, poderia fazer tudo isso sozinho? Oras, mas claro que não! Ele precisava da ajuda de um mamífero cujo cérebro é do tamanho do caráter de um influenciador da Mynd.
Benjamin era também um prolífico inventor, porque as pessoas nessa época tinham muito tempo livre, aparentemente. Algumas de suas invenções incluem o pára-raios, a lente bifocal, e o horário de verão, então você já sabe a quem culpar cada vez que chegar atrasado da escola pra assistir ao Disney Cruj.
Por falar nisso, eu ainda não entendi como raios o nome de Thomas Gates foi aparecer como um dos conspiradores pra matar Lincoln.
Porém, segundo o curta, todas as idéias de Franklin vieram do ratinho pobre que morava com seus 26 irmãos nas paredes de uma igreja. Ele, sendo o mais velho, decide sair pra tentar ganhar a vida, e após ser rejeitado por pessoas que por algum motivo não querem contratar um rato falante que usa roupas, acaba encontrando Benjamin Franklin, que não tem nenhuma reação muito forte ao ver um rato falante que usa roupas.
Amos então aproveita o óculos quebrado de Benjamin pra fazer um óculos bifocal (ou pelo menos um protótipo dele), e dá a idéia de fazer um forno central com saída de fumaça pela chaminé, pra aquecer durante o inverno. Mas a idéia que faz Benjamin deslanchar de vez é a do jornalismo, onde Amos vai pelas ruas atrás de notícias que ninguém mais conseguiria (como um incêndio na rua em que Judas perdeu as botas, a bebedeira do juiz, e a lista de jogos vazados da Nintendo). Benjamin ganha uma fama local astronômica, que o faz ser reconhecido na rua por todas as autoridade e pelas moças.
Pelo visto certas coisas nunca mudam.
A parte das moças, eu digo. Na época de Franklin, os jornalistas tinham algum senso de ética.
Por falar em ser reconhecido na rua, uma vez eu encontrei um dos apresentadores do Totolec Show no Iguatemi. História verídica.
…
Enfim.
A popularidade de Franklin é tanta que absolutamente todo mundo na cidade compra o jornal pra ler, pra não ter a preocupação de ter que ler no vizinho por cima dos ombros. Inclusive por algum motivo devia ser moda ler os jornais pra fora de casa da janela nessa época, vai saber.
Cê pode falar mal o quanto quiser de Walt Disney (e se o fizer, você é um herege que merece ir pra fogueira), mas duas coisas que eu admiro muito nesse maluco: um pé no futuro e outro no passado. Quase sempre em alguma produção dele, sejam filmes ou parques, principalmente, havia uma tentativa de fazer edutainment, ensinar através do entretenimento. É só olhar o layout da Disneyland, que abrigava o passado Histórico (Frontierland), o futuro inspirador (Tomorrowland), o mundo fantástico em que vivemos (Adventureland), e o fantástico mundo da imaginação (Fantasyland).
Michael Eisner quis continuar o legado fazendo o Disney’s America, mas isso é história pra outro dia.
Walt, em algum momento da vida, quis que as presentes e futuras gerações tivessem interesse em aprender História, e foi assim que tivemos alguns curtas e livros e especiais de TV baseados em figuras Históricas dos EUA. Dentre eles, Ben and Me.
Embora baseado num livro, o curta toma várias liberdades narrativas, como omitir parte da história (que vai nos levar até a França e mostra Thomas Jefferson com seu próprio ratinho), mas que deixam o desenho mais fluido e conciso.
Pra cês terem uma idéia, tem uma guerra entre ratos franceses.
O trope de criaturas pequenas improvisando objetos humanos pra fazer seu mundo similar ao nosso é divertido, mas aqui felizmente não é usado à exaustão, já que o foco é na amizade de Benjamin e Amos e o trabalho deles. O ponto mais divertido é que Benjamin abre um buraco no chapéu pra que Amos pudesse se esconder e ajudá-lo a interagir com as pessoas na rua.
Sim, é o plot de Ratatouille, basicamente. Ou de The Magic Voyage, só que Ben sabia esconder seu amigo diminuto pra que ninguém achasse que ele era maluco, o que… teria acarretado uma recontagem interessante da História Americana.
Considerando que Jefferson também tinha um rato ajudante próprio, talvez não fosse não estranho, sei lá. É um mundo intermediário entre o nosso e do Muppet Show. The Country Bears com ratos no lugar de ursos.
Além da narrativa, esse curta mostra porque a Disney tava à frente de todos seus concorrentes na época: o design de produção. Não só a animação é extremamente vívida e com movimentos detalhados, mas a direção de arte é muito melhor do que tem direito pra um curta animado.
O senso de drama, ação e comédia muitas vezes se entrelaçam pra contar a história, como na cena em que Benjamin eletrocuta Amos na pipa. Mas também é notado em momentos singulares onde a história sabe que precisa de um respiro, como quando Benjamin volta da Inglaterra abatido pelo fracasso da missão política.
E não sei se é a versão que eu vi, ripada de um rolo de projetor de alguma escola da Filadélfia com ranhuras e outras marcas do tempo, mas as cores são muito bonitas em cenários detalhados. De novo, Walt sempre prezava pela excelência artística, fosse num longa ou num curta.
E o que é mais interessante, é que apesar de contar a história fictícia de um rato falante com uma figura histórica, o curta de fato consegue te ensinar alguma coisa sobre a figura histórica e sua época. As partes onde o exagero serve à narrativa são claramente demarcadas de maneira natural, e qualquer um conseguiria separar ficção de realidade e associar Benjamin ao que de fato ocorreu (como as invenções dele e seu trajeto de vida geral).
É um curta animado que é divertido e ainda não te deixa perdido na História, tentando te enganar com meias-mentiras! Um baita feito que muita cinebiografia tida como séria não consegue passar.
“Mas mas mas é um rato falante”
Ah, vá pro raio que o parta. De preferência, com uma pipa e uma chave.