Embora não seja diretamente ligado ao Natal, Jack Frost é uma figura conhecida de países gélidos ou que tenham um período de inverno fixo, que em alguns casos é o ano todo, como na Inglaterra.
Tem algum ditado que não consigo achar a origem, mas é algo como “eu amo os dias ensolarados na Inglaterra, o que significa que eu gosto de dois dias no ano”. Agora alguém vai procurar essa frase e cair aqui sem nenhum contexto.
Enfim, nesses países há a figura folclórica do Jack Frost, cujo especial da Rankin/Bass eu resenhei no blog principal, e é bem daorinha. Ele também apareceu em alguns filmes recentes, como Rise of the Guardians e Santa Clause 3 feat. Dante from Devil May Cry Series. Se você tem uma idade muito específica e teve acesso a internet a vida toda, deve lembrar do fenômeno Rise of the Tangled Dragons.
Eu não tenho nenhum comentário sobre isso, eu só queria que vocês soubessem que isso existiu em algum momento.
Hoje, quero mostrar outro filme que tem uma grande aparição de Jack Frost… até porque tá no título, mas curiosamente, ele não é o protagonista. O que faz sentido, ele é literalmente uma força da natureza, não serviria pra protagonista nos anos 30. Seria como fazer um filme do Mágico de Oz sobre o Mágico de Oz com um galã, que idéia estapafúrdia.
Esse curta foi produzido por Ub Iwerks, que foi o responsável por aprimorar o rabisco que Walt Disney fez de Mickey Mouse, e também trabalhou em praticamente todos os curtas dos anos 20 junto do velho Walt, até sair do estúdio por influência maligna de Pat Powers. Longa história curta, Pat contratou Ub sem Walt saber e convenceu Ub a criar o próprio estúdio de animação.
ComiColor é a série de curtas feitas pelo estúdio de Ub Iwerks, baseados em contos folclóricos ou livros conhecidos, como Aladdin, Sleepy Hollow, Little Black Sambo, e Don Quixote. Curiosamente, a Disney eventualmente faria suas próprias versões de Aladdin e Sleepy Hollow; quase fez Don Quixote; e não tocaria em Little Black Sambo nem com um poste de 11 metros e 89 centímetros.
O engraçado é que Powers e outros investidores atraíram Ub pra longe de Walt crendo piamente que Ub era o único motivo pro sucesso dos desenhos Disney. Mas foi justamente após a saída de Ub que as animações de Walt melhoraram profundamente, em termos de animação e narrativa. Personagens se tornaram mais verossímeis, críveis, identificáveis, e a animação se tornou menos rubber hose e ganhou peso. Literalmente.
Dá pra ver que o resto da indústria tentou imitar e se adaptar ao que Disney e seus animadores faziam (algo que parece ser uma constante desde então), e nesse ComiColor dá pra ver perfeitamente essa tentativa de evolução.
O plot do curta é tão simples quanto qualquer outro de seu tempo: um bando de animais na floresta vivendo alegre e pimposamente, até que Jack Frost aparece anunciando o inverno. Ao contrário de interpretações mais comuns/populares do personagem, ele não tem de fato poderes de criar gelo, como Elsa, Gelado e o olhar da su esposa quando você esquece de buscar a mãe dela no aeroporto. Aqui, Jack é mais próximo de um sprite (não do tipo que se põe na geladeira, mas a criatura similar a fadas e gnomos), e sua função é literalmente trazer o outono, colorindo as folhas de laranja e as janelas de geada.
Essa é uma interpretação também comum do personagem dentro do folclore, e é mais amigável também. Se os curtas de Iwerks tivessem vingado, talvez tivéssemos gerações inteiras no mundo ue associariam Jack Frost à pintura e artes e criatividade, porque cresceram com um kit de aquarela com o rosto do personagem o algo assim.
E isso é feito porque temos a aparição de outra entidade cuja descrição muitas vezes se mistura ao próprio Jack Frost: O Velho Inverno (Old Man Winter). Eu gosto muito dessa interpretação, faz mais sentido e separa os dois personagens em arauto e evento, mais ou menos como o Surfista Prateado e Galactus.
O protagonista de facto do curta, no entanto, é um ursinho filhote metido a forte, que foge de casa só pra provar que pode enfrentar o frio, tal qual zoomer fazendo qualquer que seja o que zoomers fazem pra irritar os pais hoje em dia.
No caminho, o ursinho encontra Jack Frost e o próprio Velho Inverno, que tem um design assustadoramente bacana, mesmo pros padrões de hoje. Eu amo como ele parece ser simplesmente feito de gelo, com as extremidades quase derretendo, presumidamente porcusa do movimento dele.
O pequeno mamífero também encontra um espantalho que provavelmente é o ponto alto do desenho, com uma rotoscopia inspirada no Cab Calloway. Não vi em nenhum lugar nada que confirme qual a origem da rotoscopia, mas não creio que seja do próprio Calloway, bem como sua voz. Eu li em algum lugar que o scat é cantado por Carl Stalling, icônico compositor de desenhos animados dos anos 20 em diante, colocando seu nome em produções Disney, Looney Tunes, Iwerks, e outros, incluindo Ted Esbaugh em The Wizard of Oz, que eu resenhei aqui.
A própria voz do espantalho, mais aguda, contrasta com os tons graves de Calloway, mas de maneira nenhuma desmerecem o segmento, que é impressionante pela rotoscopia. De fato, Ub era o cara mais técnico, e seus curtas geralmente não priorizavm a parte artística ou narrativa.
E esse era o grande diferencial entre Ub e Walt. Ub era um excelente animador técnico e engenheiro, sendo o criador da câmera multiplano usando um Chevrolet, praticamente um MacGyver da animação, tal qual outros inovadores técnicos do ramo como Ed Catmull. Mas seus curtas não tinham o mesmo apelo, o mesmo carisma que os curtas do estúdio Disney.
Jack Frost é divertido, é engajante, mas não tem um foco, ou um plano a longo prazo, ou a qualidade artística que as Silly Symphonies tinham. Pra efeito de comparação, em 1934 a Disney lançou curtas memoráveis como O Gafanhoto e as Formigas, Orphan’s Benefit, A Deusa da Primavera (primeiras figuras humanas mais próximas da realista, um treinamento pra Branca de Neve), A Galinha Sábia (estréia oficial do Pato Donald), e O Lobo Mau. Curtas que se baseavam muito em personalidades fortes, identificáveis com crianças e adultos, e que são lembrados até hoje ou pela técnica, ou pelos seus personagens, ou pelos visuais.
Ainda assim, sempre é bom ver ou rever curtas produzidos por Iwerks, que era genuinamente um cara talentoso, mas não tinha tanto tato pra contar histórias. Vale a pena ir atrás dos curtas dele, que tão disponíveis no TubiTV (com um print ruim) e no YouTube (prints variáveis).
Tem um print em HD que a ThunderBean pretende lançar (ou já lançou, talvez, mas não achei o volume do Blu-Ray). Falta outras camadas de filme (dá pra notar que essa versão tem menos sombras do que a que mostrei nas imagens aqui), mas vale a pena ver pra comparar e ter uma idéia melhor de como vai ficar o resultado final: