Pateta - O Filme: Steve Martin quase fez GA-HYUK
Como uma idéia estúpida de Jeffrey Katzemberg elevou uma atuação clássica
É muito fácil tirar sarro de executivos de cinema.
O esteriótipo do engravatado que passa o dia em reuniões com outros engravatados e diretores, cuja ligação com a realidade é tão resistente quanto um fone de ouvido de 15 conto da Americanas, e que não faz idéia do que o público de verdade quer é bem real. Por muitas vezes, eu zoei Jeffrey Katzenberg (ou Jeffrey Katzenbug), e muitas dessas vezes foi por bons motivos.
Ele realmente era um baixinho invocado, impaciente, e que às vezes parecia ter manias de grandeza. É fácil lembrar de momentos onde ele demonstrava não ter conhecimento sobre animação, como quando chegou na Disney e pediu pra ver os B-rolls de Caldeirão Mágico pra poder editar o filme. Ou quando ele quis tirar Part of Your World de Pequena Sereia. Ou quando ele tirou When Love Is Gone de Muppets Christmas Carol.
Graças ao documentário Not Just a Goof (que não tá disponível no Disney+ brasileiro), uma outra anedota se popularizou, e é mais uma prova de que a própria indústria da animação não liga pra si mesma, pelo menos a nível corporativo.
Depois que Aladdin fez um estrondoso sucesso, toda a indústria entendeu que botar celebridades pra fazer as vozes de personagens animados era sinônimo de bons resultados. Claro que isso seria desaprovado nos anos seguintes, mas Sinbad da DreamWorks não chegaria até bem depois do novo milênio, e a Disney já providenciava grandes nomes pra botar em Toy Story, Pocahontas, e Rei Leão. E, talvez, seguindo essa mesma idéia, Jeffrey sugeriu a Kevin Lima e Brian Pimental que o Pateta recebesse a voz de… Steve Martin.
E pelo que é contado no documentário, Steve Martin iria fazer a voz natural dele, não uma imitação do Pateta, “para que saibamos que é ele fazendo a voz”.
Se quiser pausar o texto aqui pra imaginar como raios isso seria, pode pausar.
Pronto? Conseguiu não ficar tonto de imaginar uma situação tão desnecessariamente imbecil? Muito bem, merece um biscoito Scooby!
Segundo Pimental, talvez Jeffrey achasse essas vozes cartunescas muito falsas, insinceras, e ele queria uma voz mais natural, que o personagem pudesse ter uma variedade/variação dramática.
Eles fizeram testes com Bill Farmer fazendo a voz normal dele em algumas cenas (que já naturalmente parece a voz do Pateta, diga-se de passagem), e Jeffrey concordou “é, não vai rolar, volta pro plano A mesmo”, enquanto tentava não dormir, provavelmente.
O que é irônico pra mim é que, anos depois, essa exata situação iria continuar acontecendo. Em um caso, combinou culturalmente, porque sabe-se lá porque infernos de motivo, ouvir o Bussunda dublando o Shrek fazia sentido. Graças a Deus em 2010 nós evoluímos como nação, ou pelo menos o suficiente pra rejeitarmos unanimemente Luciano Huck lendo as falas de Flynn Rider em Enrolados.
O curioso é que Mauro Ramos, o dublador do Shrek, contou que ele tinha dublado o filme todo e a dublagem dele ia servir de base pro Bussunda. Isso é algo que também acontece nos EUA, como visto no leak de Popeye do Tartakovsky, dublado por atores de voz profissionais como Tom Kenny e Grey DeLisle, mas que provavelmente iriam ser substituídos por celebridades.
Não tenho como provar, mas basta ver o filme do Mario pra ter uma idéia de como funciona.
Agora, é muito fácil apontar o dedo e dizer “viu só? Jeffrey é um maluco que quase matou o filme do Pateta, não dá pra trocar uma voz icônica como essa por uma celebridade pra chamar atenção!”, e você está coberto de razão, é uma idéia tão imbecil quanto botar a Zendaya pra fazer a voz da Lola Bunny. Porém, tem algo que eu não esperava descobrir vendo esse documentário.
Essa decisão estava fundamentalmente errada, mas vinha de uma lógica correta, e, no frigir dos ovos, ajudou o filme a ser o que é.
Vejam bem, executivos criativos tem idéias estapafúrdias, geralmente pra definir limites e empurrar o envelope. Não o das cartas, o dos limites da aviação.
Pera, ninguém mais usa cartas, então…
Enfim.
Michael Eisner famosamente sugeriu idéias mirabolantes e que desafiavam a própria fundamentação filosófica da Disney, quando chegou. Uma delas é só estrambólica, como um hotel no formato do Mickey. Literalmente, uma estátua gigante do Mickey, cujas entranhas funcionariam como um hotel, e as pernas dele seriam os elevadores, e os pés o lobby de entrada.
A outra idéia é a de casar Mickey e Minnie, e fazer uma tour de lua-de-mel dos personagens e lançar uma linha de jóias comemorativa com a Tiffany.
São claramente idéias que nunca seriam feitas, ou por serem caras e complicadas demais de vender, ou por mexerem com as estruturas básicas da companhia.
Sabe quem mais fez isso? Os caras de Epic Mickey.
Lembram daquelas artes conceituais vazadas absolutamente macabras? Foram feitas especificamente pra mostrar pra Disney e saber até onde poderiam ir, pra então terem mais liberdade de fazer a idéia original.
Muito provavelmente, Jeffrey fez a sugestão porque queria ver até onde Kevin Lima e o resto da equipe (incluindo Bill Farmer) estariam dispostos a seguir com o projeto como estava. Mas também, como Pimental descreve, até o momento o Pateta era praticamente o mesmo Pateta dos curtas animados.
Claro, tinha a série TURMADUPATETA (Goof Troop), mas ele ainda era o paspalhão cômico na maior parte do tempo. Esse filme era O Filme, e a história demandava momentos emotivos.1
E a experiência de dublar cenas do Pateta com a voz normal permitiu que Kevin e Pimental dirigissem Bill Farmer puxando essa naturalidade que ele tinha demonstrado antes. E, pelo que eles dão a entender, depois que Katzenberg saiu da Disney por… *motivos*… O filme perdeu praticamente todo o apoio que vinha tendo. Jeffrey testou a equipe, e provavelmente viu que eles estavam dando três quintos dos fluidos corporais pra fazer acontecer, e tankou o projeto. A Disney se viu praticamente obrigada a lançar o filme, mesmo que fazendo o mínimo pra isso.
Uma idéia fundamentalmente errada de Katzenberg, mas que acabou ajudando a tornar o FILMEDUPATETA um dos maiores clássicos da biblioteca Disney, e um grande momento na História da Animação.
“Ele é… o Pateta.”
“Sim, mas… ele precisa ser?”
(Kevin Lima e Jeffrey Katzenberg)
É parte do processo de brainstorming, e você não devia ter medo de dizer suas idéias, por mais idiotas e erradas soem no momento.
Agora, se me dão licença, eu preciso fazer meu pitch do filme de alta fantasia estrelando Mickey Mouse.
Eu lembro de uma vez, entrar na sala do curso de quadrinhos e calhou de estar passando Radicalmente Pateta (ou FILMEDUPATETA2). Tava passando justamente a cena em que Max vai embora e Pateta vê o quarto vazio, numa cena triste e melancólica, e um dos meus colegas disse “ah cara, Pateta não é pra me fazer sentir, cadê o Pateta nos jogos olímpicos ou algo assim?”. Mas eu creio que justamente pelo Pateta ser um personagem tão cômico, ele é ideal pra ser uma figura paterna emotiva. Ele tem um gênio forte, e mais vezes que não, as emoções dele se misturam. Raios, o grande primeiro papel dele num curta (Goofy and Wilbur) envolvia uma emoção triste mas tendo que soar cômica.